Internet 5G traz disruptividade para a telecomunicação até no modelo de negócio

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*Por Eduardo Grizendi

Desde que o novo coronavírus chegou ao Brasil, a tecnologia 5G tem ganhado ainda mais espaço na mídia. Se em março deste ano notícias correlacionavam um assunto ao outro, alardeando, sem reais fundamentos, que a rapidez da tecnologia estaria causando ou acelerando o contágio da doença, agora o foco é de que a pandemia deve apressar a adoção da quinta geração da comunicação móvel sem fio, abrindo possibilidades para amplas transformações sociais e econômicas no país.

A tecnologia 5G promete revolucionar a forma como todos nós, a indústria, o comércio, os serviços, o mercado e os consumidores em geral, interagem entre si e com as suas coisas, no sentido mais amplo possível, seus eletrodomésticos, por exemplo, uma vez que a comunicação deve conectar pessoas, dispositivos e máquinas.

Mas é preciso ir além.  A tecnologia é disruptiva e vem para equilibrar mobilidade com qualidade, capacidade e velocidade, trazendo mais segurança e menor latência nas trocas de dados nas bordas – nos aparelhos digitais e nas coisas conectadas, e também, novos modelos de negócio.

Em um mundo onde cada vez mais queremos manter o contato visual e sonoro por meio das telas, bem como fazer “downloads” de arquivos, vídeos e imagens que hoje sobrecarregam o 4G, este novo paradigma de comunicação móvel consegue juntar técnicas de codificação e modulação, que refletem no significativo aumento da capacidade de transmitir a informação sob uma onda eletromagnética portadora da comunicação, e atingir taxas de dados até 1.000 vezes superiores. E não é uma mudança simples do equipamento radiotransmissor. É muito mais que isto.

O impacto da tecnologia 5G já está sendo mitigado. Vejam, como exemplo, infográfico da Racounter. Fabricantes já oferecem a tecnologia e muitas operadoras no mundo já estão operando com ela. mas ainda é necessário amadurecer as estratégias e modelos de negócio. Ainda que ela possa trazer uma internet com qualidade e a altas taxas de dados, em frequências portadoras de até dezenas de Ghz, chegar no aparelho de todos os brasileiros, é ainda um grande desafio. Vários caminhos existem e precisaremos ser certeiros nas nossas escolhas. Levando em consideração que quanto menor a frequência, mais longe pode chegar o sinal, estamos também discutindo a utilização da faixa de 700 MHz por ser mais indicado para as áreas rurais, e até a possibilidade desta faixa ser “neutra”, desvinculada da operadora de serviço móvel e disponível, através de um operador neutro, para qualquer uma delas. Frequências mais altas, não chegam tão longe, mas, em compensação, chegam com mais capacidade, a partir do espalhamento de células menores de rádio base e, portanto, mais apropriadas para as áreas densamente povoadas de grandes cidades. Para estas, também, novos modelos de negócios estão sendo pensados e testados.

A tecnologia 5G, segundo a ONF- Open Networking Foundation, deve transformar o serviço móvel atual de duas maneiras distintas e igualmente importantes. Por um lado, na borda, deve suportar a uso massivo de IoT e de aplicativos sensíveis à latência e de missão crítica. Por outro lado, a infraestrutura precisa equilibrar o investimento em CAPEX, com reduzido custo de OPEX, para alta eficiência no uso do espectro de frequência, desagregando a rede (hardware e software) para permitir a democratização de seu uso para que novos participantes possam inovar e apresentar novas soluções disruptivas, permitindo a transformação tecnológica e de negócios.

Para esta desagregação, o importante conceito de Open RAN (RAN – Radio Access Network, ou Rede de Acesso em Rádio, suportado pela RBS – Radio Base Station, ou ERB – Estação Rádio Base), como desdobramento do conceito de compartilhamento das redes de acesso, através do compartilhamento das RANs (RAN sharing), promovido pela ONF e também por outras organizações, como a O-RAN Alliance (o-ran.org), e  o TIP – Telecom Infra Project (telecominfraproject.com), está comprometido com a construção de RANs abertas, utilizando plataformas e interfaces abertas (“open-hardwares”; “white-boxes”), provendo em geral, desagregação, virtualização e controle definido por software, e utilizando princípios de computação em nuvem. Mais ainda, a proposta é que estas Open RANs se conectem a Open Networks (Redes Abertas), e, portanto, toda a infraestrutura de rede, de acesso e troncal, se transformando em uma infraestrutura aberta.

Alguns fatos já sinalizam de que o setor de telecomunicações no Brasil também não deve ficar fora desta transformação. A Vivo anunciou recentemente que está realizando pilotos da tecnologia OpenRAN em Petrolina e Juazeiro e, quase simultaneamente, que está avaliando a possibilidade de estruturar uma unidade independente para a construção e oferta de uma rede neutra de fibra óptica. A Oi, ao mesmo tempo que recebeu proposta da HighLine para a aquisição da Oi Móvel, para operar uma rede neutra celular, também sinalizou com a possibilidade de separação de sua unidade de infraestrutura – InfraCo,  e torná-la uma operadora de rede neutra, segundo seu Diretor de Atacado, André Telles, para atender tanto pequenos provedores regionais, quanto grandes operadoras que queiram utilizar-se de sua infraestrutura, seja ela acesso em fibra, torre, ou rede metropolitana.

Olhando para trás, o setor de telecomunicações brasileiro já avançou no compartilhamento de infraestrutura, de redes ópticas, e, em especial, de torres, principalmente envolvendo operadoras móveis. Se antes as torres eram construídas, operadas e usadas individualmente pelas próprias operadoras móveis, ao longo do tempo foram sendo compartilhadas umas com as outras, até que “operadores neutros” de torres (conhecidos como “tower management companies”), entrassem no mercado comprando as existentes e, a partir daí, construindo novas torres, e as alugando, a maioria delas para as mesmas antigas proprietárias, e assim sendo reconhecidas, como  neutras, independentes.

O conceito de MVNO – Mobile Virtual Network Operator, já é um avanço no modelo de compartilhamento de infraestrutura das operadoras móveis. No Brasil, no entanto, uma MVNO ainda compartilha infraestrutura de outra operadora móvel, e não de um operador neutro. Conceitualmente, fazendo uso de uma infraestrutura compartilhável de operador neutro, dependendo da profundidade deste compartilhamento, uma operadora móvel poderia ser considerada uma MNO – Mobile Network Operator, como são conhecidas as tradicionais operadoras móveis detentoras de suas próprias infraestruturas.

Eu já comentei no artigo que escrevi sobre a “uberização” das redes de telecomunicações no Brasil, mas foi principalmente de infraestruturas ópticas. Agora precisamos “uberizar” as redes de acesso em rádio, para que possamos tirar o máximo proveito desta tecnologia e pagarmos menos por ela.

Parece ser um grande obstáculo para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a limpeza do espectro, para admitir novas frequências para o 5G, mas, creio que estruturar um modelo de compartilhamento e de desagregação da rede, principalmente da rede de acesso em rádio, para admitir novos entrantes, promovendo e atraindo novos modelos de negócio para seu uso, parece ser, este sim, o grande obstáculo a se transpor.

A implantação da tecnologia 5G demanda altos investimentos por parte das operadoras tradicionais. Se compartilhados estes investimentos, envolvendo intensamente provedores e MVNOs, o  custo total de propriedade das operadoras seguramente cai, a competição aumenta, e os brasileiros, esperamos, pagam menos por ela.

E a RNP? O que tem a haver com tudo isto?

Estabelecemos um objetivo estratégico ambicioso – o de prover uma ciberinfraestrutura, segura, de alto desempenho e disponibilidade e, ao mesmo tempo, ubíqua, onipresente, em qualquer lugar e a qualquer hora, para nossas comunidades de educação, pesquisa e inovação; (1) não só para o pesquisador, professor ou aluno, dentro de suas instituições, mas também fora, onde quer que estejam; (2) não apenas para eles, mas também para suas coisas e objetos, usados ​​em suas atividades, dentro e fora de seus campi; (3) com conexões nacionais e internacionais com outras redes acadêmicas e alianças regionais, integrando nossas comunidades dentro e fora de o país e (4) com alta capilaridade para atingir o interior do país e dar igualmente para nosso cliente final a mesma experiência de usuário  dos grandes centros urbanos, normalmente, das capitais.

Estamos implantando um “backbone” escalável, com múltiplos canais ópticos, baseado em DWDM, essencialmente sobre fibra óptica em cabo OPGW. Para isso, firmamos parcerias com empresas de transmissão de energia elétrica. Esperamos ter, com este “backbone”, ao mesmo tempo, alta capacidade e disponibilidade, portanto, alto desempenho, para qualquer aplicação: big data, transferência intensiva de dados, etc.

Para chegar ao interior do país, temos estabelecido parcerias principalmente com provedores locais e regionais de Internet. Eles estão implantando uma ampla infraestrutura óptica em cidades do interior do país e estamos juntos deles, neste desafio.

A pandemia do novo coronavírus evidenciou a necessidade de garantir conexões para alunos, remotamente, fora das instituições, e estamos fazendo isto, contratando conexões de dados móveis principalmente em 4G.

Assim, acreditamos que nossa ciberinfraestrutura deve considerar o uso de infraestrutura óptica, mas, também, de serviço de dados móveis, principalmente e intensamente utilizando a tecnologia 5G, compartilhando acessos em rádio, portanto compartilhando RANs, e provavelmente no papel de uma MVNO, porém, fazendo uso de nosso próprio “backbone”, portanto, não necessariamente compartilhando a infraestrutura óptica da MNO.

Estamos atentos e observando os desdobramentos das alternativas estratégicas e dos diferentes modelos de negócios que se apresentam para o serviço móvel em 5G, e, então, fazer uso. Aprendizados e boas práticas são bem-vindos.

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Eduardo Grizendi

      

       *Eduardo Grizendi é diretor de Engenharia e Operações da RNP (rnp.br).