SiBBr: biodiversidade brasileira, produção científica e políticas públicas mais assertivas

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Foto da capa: José Sabino/SiBBr

Biodiversidade brasileira e produção científica

Brasil, o país megadiverso. Esse é o título que ganha o território tropical de proporções continentais que detém a maior variabilidade genética do mundo. Entre 15 e 20% da diversidade biológica mundial está bem aqui. Na Amazônia e Mata Atlântica, a diversidade é tão grande que em apenas um hectare se encontram mais espécies de árvores do que em todo o continente europeu.  O Brasil tem também a flora mais diversa do planeta, com 49.217 espécies descritas além de 119.389 tipos de animais conhecidos que compõem a fauna brasileira. E a palavra “conhecidos” é bem importante: afinal, estima-se que esse número seja bem maior, pois enquanto os cientistas classificaram somente 1,5 milhão de espécies no mundo, as estimativas variam entre 10 e 50 milhões. 

Entre 15 e 20% da diversidade biológica mundial está no Brasil

Diante tamanha riqueza, o uso sustentável dos recursos naturais e a preservação da biodiversidade é degrau para chegar em um futuro com essa variabilidade biológica protegida. Para preservar, primeiro é importante entender: qual a dimensão do que estamos protegendo? Essa pergunta vem carregada de desafios quando consideramos a extensão territorial brasileira, a quantidade de animais e plantas que existem no país e a complexidade da comunidade acadêmica brasileira especialmente atuante nos estudos sobre a diversidade biológica. 

“O Brasil possui uma comunidade acadêmica muito ativa na área de biodiversidade. Em média, o país é responsável por cerca de 2% da ciência mundial, mas existe alguns temas de excelência, biodiversidade é um deles. Existem indicadores de que o Brasil produz cerca de 10% da pesquisa mundial nesse assunto. Particularmente, sobre conservação da biodiversidade. Temos centenas de instituições, entre universidades e institutos de ensino e pesquisa, públicos e privados, agências de fomento, que fazem pesquisa sobre o tema”, explica Braulio Dias, professor na Universidade de Brasília (UnB), ex-Secretário Executivo da Convenção de Diversidade Biológica da Organização das Nações Unidas (ONU) e ocupante dos cargos de diretor e secretário nacional no Ministério do Meio Ambiente (MMA), por 20 anos.

Brasil produz cerca de 10% da pesquisa mundial em biodiversidade

O SiBBr

É para integrar e disponibilizar informações científicas sobre a diversidade de espécies e ecossistemas que o Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SiBBr) existe. A ferramenta é alimentada por fontes de dados do Brasil e do resto do mundo, de coleções biológicas e pesquisas de campo, enriquecidas com informações como dados moleculares, fotografias, descrição das espécies, informações sobre ameaças e acesso às publicações científicas. A plataforma online tem objetivo de reunir e dar acesso a dados e informações para subsidiar políticas públicas, apoiar ações de conservação e de uso sustentável bem como promover o conhecimento da nossa biodiversidade. 
 

Uma das pessoas que já agregavam a comunidade acadêmica, produzindo conteúdos de excelência, antes mesmo da criação do SiBBr, era Rafaela Campostrini Forzza, pesquisadora titular e curadora do herbário do Jardim Botânico do Rio de Janeiro (JBRJ), doutora em Botânica e coordenadora dos projetos Reflora-JBRJ e “Contribuições do JBRJ para a implementação do SiBBr e Flora do Brasil Monografada 2020”.

Ela conta como o SiBBr transformou o ambiente científico há muito tempo por ela conhecido: “A iniciativa surgiu em meio a um cenário no país com certa expertise na divulgação de coleções biológicas, com instituições e projetos bem consolidados. Mas essas iniciativas que não ‘se falavam’ antes, hoje se ‘falam’ via SiBBr. Não partimos do zero e isso foi fundamental. O SiBBr melhorou em vários aspectos o trabalho que já fazíamos, mas que antes estava desagregado e era feito de maneiras distintas por cada organização. Quando você homogeneíza formas de captura de dados, você melhora a qualidade dos dados produzidos e divulgados e eles são melhor consumidos pela comunidade científica e pelos tomadores de decisão. Por isso, padronizar essas informações também foi revolucionário!”.

Rafaela Campostrini

 

Desenvolvida em código aberto, a plataforma brasileira foi baseada na Plataforma Atlas of Living Australia (ALA), utiliza padrões internacionais que facilitam o compartilhamento, publicação e cruzamento de dados e pode ser adaptada e evoluída, de acordo com as necessidades do país. A customização, implementação e operação dessa infraestrutura foi feita pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), com fomento e coordenação do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). O  SiBBr também é o nó brasileiro e membro votante no Global Biodiversity Information Facility (GBIF), iniciativa que congrega dados sobre biodiversidade de mais de 60 países.

O Coordenador Geral de Biomas do MCTI, Luiz Henrique Mourão, explica a importância da padronização e digitalização desses dados: “Com o advento das tecnologias da informação e infraestrutura de redes, além da criação de padrões internacionais para compartilhamento de base de dados, tornou-se possível a disponibilização de dados e informações de forma on line. Dessa forma, por meio do SiBBr, qualquer pessoa pode ter acesso às informações sobre a biodiversidade brasileira, de forma livre e aberta. Também é uma forma de assegurar que as informações dos acervos de museus e coleções biológicas sejam replicadas em repositórios virtuais”.

O professor Braulio Dias opina que plataformas de interface, capazes de reunir, organizar e disponibilizar informações atualizadas, como o SiBBr, facilitam a divulgação e democratizam o conhecimento científico. A atualização dessas informações é uma necessidade à parte. 

professor Braulio Dias

Dinâmica mesmo: uma espécie de planta nova é descrita a cada dois dias e cerca de 700 novas espécies de animais são descobertas a cada ano no Brasil. O SiBBr atualiza de forma automática os registros de dados na plataforma. 

Além integrar e melhorar a divulgação dos dados já digitalizados pelas instituições, o SiBBr ainda encabeçou a captura de milhões de novos registros. “Um ganho significativo”, na avaliação da botânica Rafaela Campostrini. A pesquisadora coordenou uma rede com mais de 950 taxonomistas que, juntos, cadastraram todas espécies conhecidas da flora brasileira.

Cada um dos profissionais participantes, classificou as espécies com as quais trabalhavam em fichas individuais, com os nomes, descrições, imagens em alta resolução e chaves de identificação que permitem que pessoas leigas no assunto possam identificar essas espécies, de onde estiverem. A plataforma é livre, aberta, gratuita e “a mais segura que a gente tem”, opina Rafaela. A soma do trabalho conjunto é uma lista publicada com todas as espécies de plantas, algas e fungos conhecidas no Brasil. O mesmo foi feito para as espécies da fauna, por um grupo de zoólogos, coordenado pela Sociedade Brasileira de Zoologia

“Graças ao SiBBr e outras instituições, a gente criou e expandiu muitas bases de dados sobre o tema, nos últimos anos. É impressionante o que esse grupo de botânicos conseguiu fazer. A primeira Lista da Flora do Brasil levou cerca de 60 anos para ser elaborada, nos dois últimos séculos. Já o projeto Flora do Brasil online, demorou dois anos para ser construída, pois usou instrumentos da tecnologia da informação. A disponibilização dessas informações em formato digital é uma revolução no mundo inteiro!”, opina o professor Braulio Dias.

As listas Flora do Brasil e Catálogo Taxonômico da Fauna do Brasil alimentam um banco de dados que reúne mais de 165 mil espécies. Essas listas de referência taxonômica, também conhecidas como backbone do sistema, são integradas a mais de 22 listas temáticas, incluindo informações de espécies ameaçadas nacionais e estaduais. Atualmente, também estão integradas 240 coleções biológicas e 127 instituições de pesquisa.

O Portal Espacial, um dos módulos do SiBBr, possibilita que os usuários explorem num mapa interativo as ocorrências das espécies integrada às informações ambientais, como temperatura, tipos de solo, bacias hidrográficas e vegetação. Hoje, são 15.835.066 ocorrências registradas – índice que representa pontos de registro de ocorrência de espécies. Esses dados subsidiam pesquisas científicas que investigam a distribuição geográfica e o tipo de habitat de plantas e animais. Ainda há pesquisas que correlacionam a ocorrência das espécies com importantes serviços ambientais, como manutenção do ciclo hidrológico, polinização e fertilidade do solo. Vale ressaltar: a disponibilização dos dados de uma pesquisa em um repositório de acesso aberto possibilita a reutilização desses dados por outros pesquisadores. 

Os números do SiBBr

Políticas públicas mais assertivas

Na plataforma online, a quantidade, qualidade e variedade de dados também podem orientar tomadas de decisões governamentais relacionadas à sustentabilidade e à preservação ambiental, bem como promover o conhecimento da biodiversidade nacional, conforme objetivo estabelecido. O público é potencialmente amplo. Vai desde gestores públicos em nível nacional, até tomadores de decisões locais como, por exemplo, o chefe de um parque nacional, o gestor de um programa para conservar espécies ameaçadas ou empresas que precisem saber mais sobre desenvolvimento sustentável e como reduzir seus impactos sobre biodiversidade. 

Luiz Henrique Mourão, coordenador Geral de Biomas (MCTI)

 

Cruzando dados de grandes bases, como a do SiBBr, e contando com modelagem matemática, é possível criar cenários futuros mais precisos. Assim, será possível prever e subsidiar políticas públicas para evitar danos e impactos como mudanças climáticas, perda de biodiversidade e escassez de água. A população em geral também é diretamente impactada por esses danos ou pelas iniciativas que os evitem.

Rafaela Campostrini