O que as universidades brasileiras podem aprender com o CERN?

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Se existe algo que caracteriza o CERN é a colaboração. A Organização Europeia para Pesquisa Nuclear surgiu no pós-guerra, como um centro de pesquisa em física de classe mundial. Hoje, atrai cientistas do mundo todo em busca de conhecimento. Qual é a origem do nosso universo? E a natureza da matéria? Se estamos mais perto de encontrar respostas para essas perguntas, muito se deve à contribuição do CERN.

O CERN abriga o Large Hadron Collider (LHC), o maior e mais potente acelerador de partículas do mundo, com cerca de 27 quilômetros de extensão. Quatro grandes experimentos em física de altas energias acontecem em suas instalações: Alice, Atlas, CMS e LHCb. Todos eles com a participação de centenas e milhares de cientistas espalhados por cerca de 100 países. O Brasil se destaca como um dos países que contribui para os quatro experimentos.

Além da colaboração científica, também fazemos parte do sistema de grid computacional do CERN, o maior do mundo, que distribui os dados gerados pelo LHC. No Brasil, há três pontos de distribuição dessa grid, chamados de Tiers: na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e na Universidade Estadual Paulista (Unesp). A ideia é que os cientistas tenham acesso a esses dados, independentemente de sua localização geográfica, para gerar resultados científicos. Desde 2015, o Brasil também participa do LHCONE, uma rede exclusiva que facilita esse tráfego de dados.

Foi essa infraestrutura global de computação distribuída que permitiu aos físicos anunciarem a existência do Bóson de Higgs, em julho de 2012, uma das maiores descobertas da física da atualidade. Um dos pesquisadores envolvidos foi o brasileiro Thiago Tomei, da Unesp. Para ele, estar no CERN é uma oportunidade para se fazer ciência de ponta em uma grande facility.

“O CERN tem uma política de inclusão, onde todas as nacionalidades são bem-vindas”, revela o pesquisador.

O Sampa chip

Tudo mudou quando o Brasil liderou o desenvolvimento da tecnologia de um componente-chave para o projeto Alice, o chip Sampa. A demanda veio do CERN, pois toda a eletrônica do experimento precisava ser reformada para uma taxa maior de colisões. Era preciso uma solução para armazenar mais dados em menos tempo, de forma contínua, pois a nova geração do acelerador LHC, de alta luminosidade, poderá produzir um volume de dados até 50 vezes maior.

Com o apoio da Fapesp, surgiu o projeto na Universidade de São Paulo (USP), envolvendo o Instituto de Física e a Escola Politécnica.

“Desde 2012, estávamos buscando uma maneira mais efetiva de contribuir com o experimento, não apenas na análise de dados”, conta o pesquisador Marcelo Munhoz, líder do projeto.

O chip Sampa é um circuito integrado com sensores mais tolerantes à radiação. Sua tecnologia de microprocessamento pode ser aplicada em outras áreas, como a medicina e museologia. Segundo Alexander Kluge, coordenador de eletrônica do projeto Alice, antes do Sampa jogava-se fora 100 vezes mais dados nas colisões. Com ele, será possível tirar 14 bilhões de fotos por segundo, o que aumenta as chances de se registrar eventos raros.

O CERN decidiu adotar a solução brasileira e, depois da aprovação pelo Comitê Internacional, foram fabricados 50 mil chips e 20 mil placas para substituir toda a eletrônica do projeto Alice. Os primeiros testes serão realizados em meados de 2020 para a retomada do experimento, prevista para 2021. “Aprendemos muito, porque foi um dos chips mais complexos feitos no Brasil”, declarou Wilhelmus Van Noije, pesquisador da Escola Politécnica. O Sampa já está sendo adotado em aceleradores menores nos Estados Unidos e há conversas para o seu uso no projeto Sirius, do CNPEM.

Colaboração do Brasil com o CERN: oportunidades e desafios

A atuação brasileira no projeto Sampa abriu portas para que o país fosse visto por seu grande potencial em desenvolvimento de tecnologia. Ao ponto de se discutir a participação do Brasil como um país-membro associado do CERN, ou seja, como contribuinte para o sustento da organização. Hoje, o CERN tem 23 países-membros, a maioria deles europeus.

Em colaboração científica, o CERN tem um acordo de cooperação com o Brasil assinado em 1992. Desde então, as universidades brasileiras negociam diretamente a participação de seus cientistas em projetos internacionais. Foi o que permitiu ao laboratório Sprace, da Unesp, ter o poder computacional para integrar o projeto CMS e à Fapesp financiar o chip Sampa. Outros acordos foram firmados com países da América Latina e, ao todo, mais de 500 pesquisadores latino-americanos já frequentaram o CERN ao longo desses anos.

Um dos obstáculos acaba sendo o custo de vida alto na Suíça. “Mesmo que haja muitos talentos nas universidades latino-americanas, está se tornando cada vez mais difícil para eles virem ao CERN e passar tempo com seus pares estrangeiros”, avalia o responsável pelas relações com América Latina do CERN, Salvatore Mele.

Hoje, o CERN oferece programas para facilitar o intercâmbio de visitantes, como o Summer Students, de oito semanas, que recebe centenas de currículos de jovens estudantes de países não associados. Também há o Programa para Professores do Ensino Médio, que surgiu em Portugal para facilitar a ida de professores brasileiros ao CERN, muitas vezes financiados por escolas privadas.

Outras iniciativas de universidades brasileiras, como a USP e a Unesp, são as masterclasses em disciplinas STEM – ciência, tecnologia, engenharia e matemática. Um exemplo é o IPPOG, rede internacional para divulgação científica de física de partículas que auxilia o ensino informal de ciências no ensino médio.

A conectividade é importante para que os cientistas ao redor do mundo produzam resultados com os dados gerados pelo LHC, mas o fato de eles terem acesso a essas informações não substitui a interação que eles teriam ao passar um tempo no CERN, pois a troca de conhecimento é o que transforma esses jovens pesquisadores em professores bem sucedidos em seus países de origem. Segundo Eckhard Elsen, diretor de Pesquisa e Desenvolvimento do CERN, trata-se de uma nova maneira de pensar.

“Quando você é exposto a esse ambiente internacional, o seu pensamento é acelerado. Quando você vai para casa, você não vai totalmente para casa”, afirma Eckhard.

O que podemos aprender com o CERN ?

Para a diretora de Relações Institucionais, Charlotte Warakaulle, um dos pontos-chave é o investimento em jovens pesquisadores, para garantir a estabilidade no financiamento. Essa também foi uma questão levantada pelo pesquisador Marcelo Munhoz, da Unesp. “Um dos fatores que contribuíram para o sucesso do projeto Sampa foi o apoio da Fapesp para contratação de mão de obra”, disse.

Segundo a diretora do CERN, o diferencial da instituição é o seu modelo colaborativo.

“O que é único no CERN é que aprendemos uns com os outros. Vemos que podemos aprender muito com o Brasil. Se existe algo que caracteriza o CERN é a habilidade de se trabalhar junto para o benefício de todos. Não é uma estrada de mão única. Temos muito a ganhar em ter o Brasil a bordo”.

A inovação sempre esteve presente no CERN: poucos sabem, mas foi lá que Tim Berners-Lee criou a World Wide Web. Atualmente, os países-membros estão interessados em transferência de tecnologia, e em trabalhar próximos de startups, incubadoras e aceleradoras. “O Brasil poderia investir mais recursos e energia para fazer com que universidades cooperem mais entre si”, opina Salvatore Mele.

O CERN também foi uma das primeiras organizações a obter uma licença do TED, modelo de palestras que se popularizou na internet. Hoje, promove conversas não apenas sobre física. “O CERN é muito mais do que física. Estamos interessados nos caminhos que a ciência está levando”, afirma a organizadora do TEDxCERN, Claudia Marcelloni. Criatividade, biotecnologia e inteligência artificial são alguns dos temas abordados.

Acesse aqui todas as palestras do CERN.