No início da pandemia de Covid-19, em março de 2020, o Instituto do Coração, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (InCor/HCFMUSP), defrontou-se com uma necessidade inédita para seguir com suas atividades em meio ao isolamento social imposto pela doença: a criação de um sistema de teleconsulta para atender os pacientes que não podiam ir até o hospital, que estava atendendo, exclusivamente, pacientes com Covid ou outras doenças em estado muito grave.
Parceira de longa data da USP, com três unidades em operação na universidade (Faculdade de Medicina/FMUSP, Hospital Universitário/HU-USP e Faculdade de Odontologia/Fousp), além do próprio INCOR, a Rede Universitária de Telemedicina (RUTE/RNP) prontamente ofereceu apoio, colocando inteiramente à disposição duas salas do serviço Conferência Web (24 horas por dia, sete dias por semana). Elas serviram como retaguarda das UTIs no estado de São Paulo para pacientes com Covid, com discussões de caso diárias e, além disso, foram embriões do que viria a ser a solução própria do InCor, chamada IConf, que, recentemente, completou mais de 300 mil teleconsultas realizadas.
“Esse foi um grande projeto potencializado, é claro, para atender as demandas da pandemia, mas que a RUTE teve um papel fundamental. Ela que foi a fomentadora do início dessa história da criação da nossa solução. Usar o Conferencia Web até que pudéssemos criar a nossa solução baseada nas mesmas tecnologias de plataformas abertas, mas com diferenças devido à especificidade da área da saúde, com diferenças na segurança de dados, sigilo, privacidade, foi fundamental”, recorda o diretor do Serviço de Informática do InCor, Marco Gutierrez.
A pressa por resultados gerada pela pandemia fez com que tudo andasse muito rápido. Apenas três meses após a chegada da Covid-19 no Brasil, o instituto já estava utilizando o piloto da plataforma IConf e, pouco tempo depois, ela já estava integrada ao sistema de prontuário eletrônico. Na sequência, a solução evoluiu e foi expandida para o restante do Hospital das Clínicas da USP, cujo complexo é o maior da América Latina, com um quarteirão contendo quatro mil leitos. Por questões de segurança, todos os dados colhidos nas teleconsultas são armazenados dentro do datacenter do InCor.
“O InCor é uma referência nacional com reconhecimento internacional. Não é à toa que suas atuações em Telemedicina e Saúde Digital sirvam de exemplo e o posicionem na liderança da área. Em 2022, realizamos uma reunião internacional no InCor com representantes do Grupo de Trabalho em Saúde coordenado pelos Ministérios de C,T&I (Ciência, Tecnologia e Inovação) do Brasil e Suécia em Saúde, para discutir e expandir estas práticas em colaboração com ambos países. Os avanços esperados também no desenvolvimento e na aplicação da IA encontram no InCor um ambiente ideal de experiências acumuladas”, conta o coordenador nacional da RUTE e gerente de Relacionamento com a Comunidade de Saúde da RNP, Luiz Ary Messina.
“Inicialmente a parceria com a RUTE foi fundamental para que pudéssemos iniciar os teleatendimentos na pandemia de COVID-19, ação que foi reforçada, posteriormente, a partir da parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o desenvolvimento uma plataforma própria de teleatendimentos. Atualmente, trabalhamos para a integração dos dados de pacientes, que ficarão armazenados de forma anonimizada em nuvem para que, em um futuro próximo, seja possível realizar diagnóstico precoce e intervenções preventivas”, ressalta Prof. Dr. Carlos Roberto Ribeiro de Carvalho, Diretor da Saúde Digital do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP).
Evolução para a telecirurgia
A partir da experiência bem-sucedida com a IConf, o InCor recebeu o apoio do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), por meio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para desenvolver uma plataforma de telemedicina que utilizasse tecnologias de comunicações avançadas e Internet das Coisas (IoT) para capacitação de cirurgiões cardíacos e apoio a operações complexas realizadas em hospitais longe dos grandes centros.
Desenvolvida pelo Núcleo de Inovação do InCor (InovaInCor), com a parceria de empresas privadas, a Plataforma Nacional de Teleconferência de Ato Cirúrgico tem ajudado a equilibrar a distribuição irregular de médicos no país. As cirurgias são transmitidas ao vivo, a partir de salas cirúrgicas preparadas com câmeras, microfones e monitores, para especialistas do InCor, que fazem o monitoramento e a teleorientação de todo o processo.
“As novas tecnologias trazem mais qualidade e agilidade no atendimento médico, o que beneficia a população. A Teleorientação do Ato Cirúrgico permite que equipes cirúrgicas trabalhem em conjunto em casos complexos que podem ser operados em regiões mais distantes dos grandes centros médicos, eliminando a necessidade de transferir os pacientes. Isso proporciona mais rapidez ao sistema de saúde, do ponto de vista do paciente, mas também agrega valor na educação e compartilhamento de experiência clínica entre equipes médicas”, afirma Prof. Dr. Fabio Biscegli Jatene, coordenador do Núcleo de Inovação do InCor (InovaInCor) e Vice-Presidente do Conselho Diretor do InCor.
Outro projeto desenvolvido pelo Laboratório de Informática Biomédica do InCor que conta com o apoio do MCTI e também da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) é relacionado a soluções para telemonitoramento dos pacientes, que vão desde o desenvolvimento de dispositivos vestíveis não invasivos até algoritmos para analisar os dados colhidos. O objetivo é que o paciente crônico saia do hospital com o dispositivo e os dados comecem a ser coletados, gerando alertas e insights para equipes clínicas. Os diversos biomarcadores (pressão arterial, saturação de oxigênio, frequência cardíaca, temperatura, etc), são coletados automaticamente por meio de um sensor que emite luz na pele do paciente.
“A Saúde Digital é uma das áreas mais impactadas pelas novas tecnologias digitais. A transformação digital da saúde viabiliza que novas soluções, como os projetos desenvolvidos no InCor, com a parceria da RUTE/RNP e da iniciativa privada, possam ampliar o acesso da população à saúde, com maior efetividade e economicidade. Para o MCTI, é fundamental o apoio financeiro e o compartilhamento do risco tecnológico do desenvolvimento de soluções inovadoras, que possam ser futuramente incorporadas ao SUS”, explica a coordenadora-geral de Transformação Digital do MCTI, Cristina Shimoda.
Os resultados das cooperações ratificam que, quanto mais apoio, maior será o desenvolvimento e os benefícios gerados pela saúde digital para a população em um país continental como o Brasil.