A total conexão entre o mundo físico e o digital parecia um sonho distante há uns anos, mas, em um piscar de olhos, tornou-se realidade em razão da revolução tecnológica provocada pelo desenvolvimento da Internet das Coisas (em inglês, IoT). A transformação foi tão célere que não houve tempo para que especialistas em Direito regulassem as novas questões que estão surgindo e essa será a abordagem da palestra ‘Internet das coisas e impactos na privacidade: Desafios Legais’, que será apresentada no auditório do CNTC no dia 17/10, das 10h às 10h30, no Fórum RNP 2017.
A apresentação ficará a cargo do especialista em democracia digital do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Eduardo Magrani. Em entrevista exclusiva, o palestrante adiantou alguns assuntos que irão permear o debate sobre segurança, ética e privacidade numa sociedade totalmente conectada.
Quais são os principais aspectos que devem ser abordados no debate sobre a IoT no Brasil?
Eduardo Magrani: A Internet das Coisas está dando o que falar no Brasil. O governo está elaborando um plano gigantesco: o Plano Nacional de Internet das Coisas, junto com um consórcio. Esse é um tema presente. A gente tem que começar a entender quais são os desafios atrelados à IoT. O primeiro é relacionado à segurança. O segundo desafio é relacionado à privacidade. Porque quanto mais coisas conectadas ao nosso redor, mais dados massivos são gerados e que dizem respeito a dados pessoais nossos. Tudo isso remete à nossa zona de intimidade e esses aparelhos estão registrando todas essas informações. O terceiro envolve ética: qual a ética que vai nortear todo esse avanço tecnológico? Muita gente fala de democracia digital, de privacidade, mas pouca gente está falando de ética na tecnologia. E se a gente não tiver uma ética, a gente tem a bomba atômica.
No Brasil, há alguma legislação que possa abarcar a questão da privacidade com relação à IoT?
Eduardo Magrani: No Brasil, a gente não tem uma lei geral de proteção da privacidade. Então, cada empresa que coleta esses dados faz o que bem entende com eles. E o Brasil é um dos únicos da América Latina que ainda não tem uma lei. O que a gente tem é uma proteção na Constituição e no Código Civil que não serve para nada, sem ter uma lei específica mais forte. Então, as pessoas, eu garanto, não têm dimensão do risco à privacidade. Esse é um risco real e diário que a gente já vivencia.
Em que etapa está a regulamentação que o governo pretende fazer?
Eduardo Magrani: Primeiro, de Internet das Coisas: o MCTIC montou um consórcio junto com o BNDES, com a consultoria Mckinsey, um consórcio grande. Eles trabalharam em cima dos comentários e contribuições reunidos a partir de duas consultas públicas realizadas e pretendem soltar já uma prévia do plano nacional agora em novembro. De privacidade: estou aqui (Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV) desde 2009, então, participei do Marco Civil da Internet. Começou em 2009 e, ao mesmo tempo, a gente começou a pensar numa lei de privacidade. Só que, por circunstâncias do mundo (o escândalo Snowden, a Dilma ter o e-mail invadido), o Marco Civil decolou e a lei de privacidade ficou estagnada. Voltou agora com fôlego e está no Congresso Nacional. Imagino que vá ser aprovada este ano.
O que traria de benefícios um investimento em segurança, privacidade e ética na Internet das Coisas?
Eduardo Magrani: Comecei falando dos riscos, desafios, do lado negativo. Do lado positivo, a Internet das Coisas é um cenário cheio de promessas: movimentar onze trilhões de dólares até 2025 e fazer com que tenhamos cerca de 50 bilhões de dispositivos conectados até 2020. São promessas estratosféricas, seja falando de cifras econômicas, seja falando de conectividade de coisas e pessoas. Tanto governo quanto empresas estão muito atentos a esse cenário e têm muito a ganhar. Agora, esse desenvolvimento tem que ser bem feito e, para isso, governo, empresas e cidadãos precisam estar atentos a esses riscos. Senão, os danos que a gente pode vivenciar são em uma nova escala.
O que a sociedade e o governo podem fazer para poder mitigar os riscos e aproveitar os benefícios?
Eduardo Magrani: É um balanço complexo. Eu acho que, num primeiro momento, a gente tem que avaliar quais os riscos principais à privacidade e segurança e tentar propor regulações adequadas. O Brasil só tem metade da população conectada à internet. Isso não é mais a realidade mundial. De oito anos para cá, a internet e o mundo conectado são completamente diferentes. É outro ritmo que a gente tem que ter hoje. Então, é perceber essas coisas: buscar as regulações adequadas para garantir o mínimo de segurança e, ao mesmo tempo, tentar incrementar essa conectividade e tentar investir nas áreas certas.