Saúde Digital: um panorama dos desafios e oportunidades

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Em 26/5 de 2018, a 71ª Assembleia Mundial de Saúde aprovou a resolução WHA 71.7 sobre Saúde Digital, atualizando os direcionadores e termos relativos à utilização das tecnologias de informação e comunicação (TIC) no contexto da saúde. A decisão reconheceu as experiências anteriores de países e organizações; a interconectividade das tecnologias digitais ou ciberinfraestrutura; a coleta, gestão e avaliação de dados e informações em saúde; a robustez do ambiente favorável, em consonância com as boas práticas estabelecidas considerando a sustentabilidade e inovações; e a atual viabilidade, escalabilidade e inclusividade com a TIC em Saúde.

Desde 2005, nas Assembleias Mundiais de Saúde, o tema vem ganhando importância com as resoluções WHA 58.28 (2005) sobre telessaúde e WHA 66.24 (2013) sobre e-Saúde, padronização e interoperabilidade. Ou seja, foi reconhecido o potencial das tecnologias digitais para apoiar os sistemas de saúde em todos os países desde à promoção da saúde e prevenção, à melhoria da acessibilidade, qualidade e disponibilidade dos serviços.

No contexto recente de transformação econômica acelerada pelo intenso uso de TIC, a cadeia produtiva da saúde não fica de fora da percepção e crença de que as TICs podem ser transformadoras, inclusive elemento-chave para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na Saúde e Bem-estar, o que inclui a transformação dos sistemas de saúde em universais, gerando a tão desejada Cobertura Universal da Saúde, (UHC – Universal Health Coverage), proposta pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

A prática digital da saúde é formada pelo conjunto de técnicas, práticas, atitudes modos de pensar e novos valores que se desenvolvem como consequência do crescimento do espaço digital [adaptado de Prof. Dr. Daniel Sigulem, MD (Unifesp)]. Portanto, embora a tecnologia e as inovações possam melhorar as capacidades dos serviços de saúde, a interação humana segue sendo primordial para o bem-estar dos pacientes.

Não é, tampouco, uma substituição da saúde tradicional. As soluções digitais complementam e aprimoram os modelos de prestação de serviços integrados e centrados nas pessoas e na melhoria contínua da saúde da população, garantindo equidade, incluindo a igualdade de gênero.

Esta Prática Digital da Saúde, generalizando para Saúde Digital, está relacionada ao uso intensivo de TIC na área da saúde, como por exemplo: Registro Eletrônico de Saúde (RES), sistemas de apoio à decisão, sistemas de protocolos clínicos eletrônicos, estações de trabalho portáteis, ferramentas de comunicação, utilização intensa da educação a distância, acesso à informação técnica digital, e convergência com outras tecnologias (biotecnologia, nanotecnologia, neurociências, robótica), além da própria telemedicina, telessaúde e e-Saúde (esta última entendida no escopo do consumo eletrônico em saúde e bem-estar). Mais recentemente, também, técnicas de aprendizado de máquina (machine learning) para análise, predição e mecanismos para Sistemas de Inteligência Artificial (IA) na saúde.

É uma área de conhecimento em si, embora ainda não reconhecida no Brasil pela CAPES e CNPq, e que se encontra espalhada em comunidades de ensino e pesquisa de informática em saúde, telemedicina e telessaúde, biomedicina, informática biomédica e computação aplicada à saúde, com um conjunto próprio de métodos, técnicas e teorias  na pesquisa básica e com uma pesquisa aplicada desde problemas de origem na bioinformática, imagens médicas, informática clínica até informática na saúde pública [adaptado de: Edward H. Shortliffe, editor do Biomedical Informatics e uma referência na área]. A princípio, este conhecimento não deve ser uma especialidade em saúde, mas sim estar incorporado em todos os profissionais da área. Hoje, já se fala de um tipo novo de profissional, por ora denominado de “médico virtualista”, e as grandes corporações, de saúde ou de tecnologia, já utilizam esta faceta como um grande diferencial em produtos.

Em julho de 2017, a Comissão Intergestores Tripartite do SUS (CIT) publicou a Estratégia de Saúde Digital para o Brasil, um documento elaborado com a participação de mais de sessenta especialistas de origens e perfis diversos. A visão estratégica, uma iniciativa do Ministério da Saúde (MS), foi construída utilizando a primeira parte do conjunto de métodos propostos pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em colaboração com a União Internacional de Telecomunicações (UIT).

De acordo com o documento, espera-se que a Saúde Digital venha a ser “reconhecida como a estratégia de melhoria consistente dos serviços de saúde por meio da disponibilização e uso de informação abrangente, precisa e segura que agilize e melhore a qualidade da atenção e dos processos de saúde, nas três esferas de governo e no setor privado, beneficiando pacientes, cidadãos, profissionais, gestores e organizações de saúde”.

Atualmente, está em construção o Plano de Ação em quatro eixos: Governança e Recursos Organizacionais; Serviços, Sistemas, Padrões e Interoperabilidade; Infraestrutura; e Recursos Humanos. Ele possui um conjunto de projetos independentes, inter-relacionados, alinhados e coordenados que convergem para um objetivo estratégico. A execução do Plano deve colocar a Saúde Digital do Brasil em um novo patamar de relevância e reconhecimento.

Tentando se adequar a este novo cenário, o Ministério da Saúde (MS) foi reestruturado para também atender às novas demandas. O Decreto Nº 9.795, de 17/5 de 2019, estabeleceu, para além do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde, o DataSUS, ao qual compete, entre outras atribuições, fomentar, regulamentar e avaliar as ações de informatização do SUS direcionadas à manutenção e ao desenvolvimento do sistema de informações em saúde e dos sistemas internos de gestão do MS.

Completa-se a estrutura com o Departamento de Monitoramento e Avaliação do Sistema Único de Saúde, ao qual compete, entre várias atribuições, apoiar a elaboração de estudos e pesquisas que visem a produção do conhecimento nos campos de monitoramento e avaliação, e de gestão da informação estratégica e de soluções digitais em saúde.

Os mesmos desdobramentos devem ocorrer para além da federação, nos demais níveis de governo (estadual e municipal), por meio das ações coordenadas do controle social do SUS, como por exemplo, Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS) e Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS).

Para a RNP, a Saúde Digital, considerando a academia e o conjunto de estabelecimentos de saúde, que formalmente são campos de práticas para o ensino de profissionais de saúde, é uma oportunidade de se inserir neste contexto, auxiliando o SUS com o Sistema RNP.

Luiz Ary Messina, coordenador nacional da Rute e Paulo Lopes, especialista da Comunidade de Saúde da RNP