Em entrevista durante o evento, o professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), falou sobre o potencial brasileiro em adotar um padrão próprio para a tecnologia
O painel “Desafio para construir Infraestrutura de IA para ensino e pesquisa” abriu a programação do segundo dia do 25º Workshop RNP (WRNP). No palco principal, Lisandro Granville, diretor-adjunto de pesquisa e inovação da RNP, Altigran Soares, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Fabio Borges, diretor do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), e Eliana Emediato, coordenadora-geral de transformação digital no Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), debateram como o Brasil pode se inserir de forma mais estruturada no contexto de grande avanço da Inteligência Artificial.
Em sua segunda participação no WRNP, Soares, um dos principais estudiosos de IA no Brasil, falou sobre a importância e os desafios de adaptar essa tecnologia para o cenário nacional.
Confira a entrevista a seguir.
RNP: O crescimento da inteligência artificial (IA) tem mobilizado as atenções, especialmente por conta da IA generativa. Como o sr. vê esse movimento?
Altigran Soares: Como qualquer tecnologia, há riscos, mas também oportunidades. É claro que depende muito de como encaramos e tudo que vamos fazer para que haja menos risco e mais oportunidades. Na realidade, já vivemos num mundo muito pautado pela inteligência artificial. Quando vamos num site de comércio eletrônico para comprar algo, quando vemos um vídeo de streaming, quando a gente dirige nosso carro usando um GPS, tudo isso tem IA.
O que aconteceu agora, com a expansão da IA generativa, é que essa tecnologia ficou mais explícita para os usuários. Isso tem uma implicação muito forte na realidade, que é a consciência que passamos a ter sobre o potencial dessa tecnologia. Esse avanço da IA trouxe a oportunidade de que mais pessoas tenham acesso a ferramentas e automatizações que, antes, eram muito restritas. Esse é um lado da moeda. O outro lado é, por exemplo, entender o que isso representa para a educação porque corremos o risco de as pessoas confiarem demais nesse tipo de solução e guiarem grande parte da sua vida pela IA. E isso pode ser perigoso.
RNP: As grandes empresas de tecnologia dominam as principais ferramentas de IA generativa num modelo fechado. Existe risco caso essa tendência predomine?
AS: A tecnologia é muito boa quando conseguimos criar ou replicar aplicações que estão realmente adequadas ao contexto socioeconômico de cada país. Hoje, de fato, as grandes empresas de tecnologia controlam as IAs generativas com modelos fechados e isso não permite que haja uma boa adaptabilidade a cada contexto. No modelo aberto, por haver maior integração de dados com os sistemas e projetos de cada realidade, eu consigo adaptar esse modelo para aplicações que me interessam, por exemplo, avaliação do Bolsa Família, do SUS, ou o que quer que seja. Ou seja, no modelo fechado, que é o caso do ChatGPT, eu não consigo usar de forma proprietária e fidedigna para extrair dados e insights confiáveis aqui no Brasil.
Uma coisa para ficar clara aqui: eu não demonizo ninguém. Essas empresas estão fazendo o que elas têm que fazer, mas precisamos entender como conseguir modelos abertos, tão bons quanto, para adaptar melhor essa tecnologia.
RNP: Considerando que haja mais investimento em IA no Brasil, com modelos abertos e adaptáveis para nossa realidade, quais seriam os focos mais importantes de aplicação dessa tecnologia?
AS: A primeira coisa é adaptar ao contexto linguístico e, sobretudo, cultural do Brasil. Há diversas particularidades de cada país e, aqui, há contextos regionais muito específicos. Essa adaptação já está sendo realizada em vários países e, inclusive, em pequena escala no Brasil. É uma oportunidade para, por exemplo, usarmos essa tecnologia para entender mais as demandas indígenas e, quem sabe, conseguirmos traduzir até uma língua como o tupi-guarani. Isso seria incrível! Incentivando a ter mais modelos abertos, a gente consegue virar o barco para a direção que a gente quer e precisa.
RNP: Você acredita que o Brasil pode avançar bem na frente de inteligência artificial e até ser referência no mundo? Como o país está posicionado no contexto mundial com os estudos e aplicações de IA?
AS: Temos que ter relevância dentro de casa. O Brasil é gigante, com muita gente, muita diversidade, muitos problemas e, portanto, muitas aplicações possíveis. Então, se a gente conseguir tornar a IA relevante para o Brasil, já será um grande avanço. E, para isso, precisamos formar mão de obra especializada. E não só de computação ou de áreas intimamente ligadas a tecnologia. Praticamente, todas as áreas precisam entender as aplicações que a IA tem. Assim contribuímos uns com os outros, de forma multidisciplinar, e várias áreas vão conseguir se desenvolver muito bem.