'Precisamos ensinar a tecnologia a guardar nossos segredos', diz Yasodara Córdova no Fórum RNP 2022
O direito à privacidade proporciona aos cidadãos garantias fundamentais, mas que podem parecer triviais no nosso dia a dia. A nossa tendência é valorizarmos esse direito apenas quando o perdemos. Este foi o eixo da palestra de Yasodara Córdova, keynote speaker do Fórum RNP 2022, nesta terça-feira (30). “Algumas coisas são muito comuns mas, quando a gente perde, sente muito a falta”, afirmou a pesquisadora.
Yasodara destacou que a privacidade é central para sete aspectos da experiência humana: as relações de confiança; a capacidade de estabelecer limites nessas relações; o respeito pela individualidade; a limitação de poder de pessoas, instituições e empresas; a liberdade criativa, de expressão e de agir; a liberdade política; e a possibilidade de mudar de opinião.
A pesquisadora, que já atuou no setor público, privado e na academia, deu exemplos práticos para ilustrar sua argumentação. Segundo ela, quando advogados, médicos e psicólogos divulgam conversas com seus pacientes e clientes, mesmo que de maneira anonimizada, estão violando o direito à privacidade.
“Por que a gente tem esse direito de guardar essas conversas? Porque, quando não existe isso, não há maneira de estabelecer uma relação de confiança. Assim é também com as empresas ou governos”, disse a Principal Privacy Reseacher da Unico, IDTech que desenvolve soluções para proteção de identidade das pessoas nas relações com empresas privadas.
O direito ao segredo dos dados pessoais, dentro dos limites da lei
Yasodora defendeu que os cidadãos devem ter direito a colocar limites no compartilhamento de informações para determinados grupos, instituições ou redes sociais. E que têm, até mesmo, o direito de manter dados em segredo, desde que respeitados os limites da lei. “É assim que a gente funciona na vida offline. Na vida online, a gente também busca estabelecer limites pelos controles de privacidade e de com quem compartilhamos as nossas informações”, ponderou.
A ativista da privacidade, que tem mais de 15 anos de atuação na área, fez ainda um alerta: quanto maior a quantidade de dados que uma empresa ou instituição tem de determinada pessoa, mais poder ela acumula sobre esse indivíduo, tornando as relações desiguais e a situação propícia para abusos, como as práticas de chantagem e vingança pessoal.
Yasodora acredita que o debate sobre a privacidade tem se intensificado no Brasil. Ela considera a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entrou em vigor em agosto de 2021, como um avanço para a conscientização sobre o tema. Por outro lado, disse ser fundamental o investimento em tecnologias que promovam a segurança no mundo digital, conectadas com a realidade e os anseios dos cidadãos.
“A lei é muito moderna e vai melhorar bastante o cenário em termos de privacidade. Mas a gente precisa dar um passo além e começar a empregar tecnologia para guardar os nossos dados. A gente precisa ensinar a tecnologia a guardar os nossos segredos”, concluiu a pesquisadora.
Assista aqui a íntegra da palestra de Yasodara Córdova.
Mecanismos de transparência e democracia
Aprofundando um tema que já havia sido levantado por Yasodara Córdova em sua palestra, o painel “Sua organização está preparada para ser transparente?” discutiu a importância dos mecanismos de transparência e acesso à informação para o fortalecimento da democracia. Com mediação de Vanessa Macedo, gerente de Informação da RNP, participaram Luiz Vicente Cruz e Silva, coordenador de Promoção da Transparência da Petrobras, e Leandro Alberto Torres Ravache, ouvidor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Veja aqui o painel no canal da RNP no YouTube.
A preocupação com o tema é antiga. Em 1766, na Suécia, foi criada a primeira lei de acesso à informação. Três séculos depois, em 2011, o Brasil aprovou a Lei Geral de Acesso à Informação (LAI), que regulamenta o direito de acesso dos cidadãos às informações públicas tanto de forma ativa pelas instituições como por meio de pedidos específicos.
Os dois profissionais trouxeram um pouco da experiência das instituições em que trabalham. Ravache explicou que o BNDES busca implementar uma divulgação ativa das informações das operações do banco. "A disseminação das informações contribui para o aumento da probabilidade do atendimento das necessidades básicas da população, além de tornar menos provável abusos do governos”, disse.
Já Cruz e Silva afirmou que a Petrobras criou vários mecanismos para fortalecer e divulgar informações, um desafio numa empresa que lida com setores estratégicos e competitivos. “Colocamos a transparência como um princípio e um valor da companhia”, disse o especialista em transparência.